sexta-feira, 3 de junho de 2016

Te escrevo poemas...



Para Fernando, o amor não se sabe revelar.
Mas quando você revelou seu amor,
Eu soube te olhar e te falar,
Dizer o meu sentir,
Sem medo de parecer mentir.
Não quero que você adivinhe,
Por isso só meu olhar já diz:
Estou a te amar.

Para Pessoa, quem sente muito, cala.
Mas por que calar o que sinto,
Se foram tuas palavras que me despertaram.
Depois que te conheci,
Minha alma em tua alma encontrou paz,
Meu corpo em teu corpo encontrou cais.
Minha doce amada você chegou,
Meus sonhos agora são reais.

Para o poeta português, todas cartas de amor são ridículas,
Por isso não te escrevo cartas, mas poemas.
Pois na poesia tudo é permitido.
Dizer que amo como ama o amor,
Sem conhecer razões para amar,
A não ser o próprio ato de amar.
Meu amor em teu amor se fortalece...
Teu amor em meu amor resplandece...
José Antonio Ferreira da Silva

domingo, 29 de maio de 2016

Um estranho sonho erótico


"Essa crônica foi totalmente inspirada nos poemas do livro 'Amor Natural' de Carlos Drummond de Andrade."

Ontem, eu tive um sonho erótico, mas não foi um sonho qualquer, esse foi especial. Pode parecer estranho, pois foi repleto de poesia. Eu sei, você vai dizer: “meu amigo tesão não combina com poesia”. Quem disse!? Poesia é melhor forma de descrever o sexo. E a única forma de entender o que dizem os urros e sussurros, de decifrar os enigmas dos orgasmos e de também nos levar ao êxtase.
O meu sonho era um mergulho nos versos de “Amor Natural” de Drummond. Era como se ele fosse em seus versos, me mostrando os mistérios e prazeres que só o sexo pode nos proporcionar. Sexo, essa força misteriosa que nos arrasta em busca do outro. O sexo mata o egoísmo, pois precisamos de outra pessoa, de outro corpo. Eu sei, é possível fazer sexo sozinho, mas não é a mesma coisa. Como diz Rita Lee, “sexo é dois”. É um corpo buscando outro corpo, são as mãos buscando os peitos e esquecendo o coração, são as línguas deslizando pelos corpos trêmulos de prazer, é o finito se perdendo no infinito.
Sim, mas onde entra Drummond nessa história? Calma, ele já está aqui. Pois foi justamente com ele que eu aprendi que “o corpo noutro corpo entrelaçado, fundido, dissolvido, volta à origem dos seres, que Platão viu completados: é um, perfeito em dois; são dois em um”. E essa magia só sexo consegue, essa união dos diferentes, esse calar de bobagem, de discussões imbecis que não levam a nada. Na hora do sexo, ninguém quer ter razão, todos queremos tesão, prazer e gozo. Como diz o poeta: “quantas vezes morremos um no outro, no úmido subterrâneo da vagina, nessa morte mais suave do que o sono: a pausa dos sentidos, satisfeita”. Ah! O sexo... bendito seja, força maior que há em nós, maior que nós. Quantas loucuras fazemos, a quantas coisas nos submetemos por ele.
Nesse sonho, os versos de Drummond me conduziam, mas erámos só eu, você e o universo. Mas o universo, coitado, pouco importava, erámos nós! Eu sei que “o que se passa na cama é segredo de quem ama”, mas peço licença para contar. Até por que não começávamos na cama, seguindo os versos descobríamos que “o chão é a cama do amor urgente”, “sobre o tapete ou duro piso”, nos entregávamos aos desejos do momento, deixávamo-nos levar pela força animal que habita nossos corpos. Desprezávamos, novamente, a cama. E “sob o chuveiro amar, sabão e beijos, ou na banheira amar, de água vestidos, amor escorregante”. Mas nem a água arrefecia o calor dos nossos corpos. “Os dois nos movíamos possuídos, trespassados”, com ou sem ritmo, pouco importava, seguíamos guiados pelos próprios gemidos e sussurros. Puro tesão a nos conduzir pelos caminhos do prazer.
O que dizíamos um ao outro... nada! Seguíamos o poema “A língua lambe”, que diz que “quanto mais lambente, mais ativa, atinge o céu do céu, entre gemidos”.  Realmente, Drummond, parecíamos, entre balidos e rugidos, leões na floresta, completamente enfurecidos de desejo. Um desvendando o corpo do outro pelo tato e pelo deslizar de línguas enlouquecidas. Prazeres exclusivos sexo, puro êxtase. Eu me perdendo dentro de você, penetrando sua alma através dos mistérios do seu corpo. Meu corpo e seu corpo em um vai e vem frenético em busca do infinito, “já sei a eternidade: é puro orgasmo ”. Único momento realmente além do espaço e do tempo. E o nosso foi um orgasmo quase utópico, eu e você ao mesmo tempo, descobrindo o infinito, mergulhando no cosmos de nós mesmo.
Ainda bem que o sonho não terminou no orgasmo. Drummond, em seus versos, deixa claro que “mulher andando nua pela casa envolve a gente de tamanha paz”. Mas minha maior fantasia era te ver pelo meio da casa apenas com minha camisa, como se meu corpo continuasse envolvendo o teu, como se estivéssemos fundidos um no outro. Quando te vi com minha camisa preta... Essa visão paradisíaca, você com minha camisa, me fez, em profunda paz, adormecer, isso lá no mundo dos sonhos. Por aqui, infelizmente, eu acordava, só com a lembrança desse estranho sonho erótico.
 José Antonio Ferreira da Silva

sábado, 28 de maio de 2016

Tormentos



Em minha cabeça,
Ansiedade e tormento,
O que faço aqui?
Cobranças roubam-me a alegria de viver.
Exijo-me uma genialidade que não possuo,
Cobro-me:
Uma luz que ainda não tenho.

Na minha cabeça,
Ansiedade e tormento,
Quem sou eu?
Nostalgias tiram-me a alegria de viver.
Mas..., de onde vem... Qual a causa...
Cadê o sorriso no espelho,
Se não vejo razão para lágrimas.

Na minha cabeça,
Ansiedade e tormento,
Quem são vocês?
A solidão tira-me a alegria de viver.
Sinto falta dos meus, onde estão?
Serei alienígena, exilado ou o quê?
Sinto-me um estranho.

Na minha cabeça,
Ansiedade e tormento,
Quero voltar!
A Saudade tira-me a alegria de viver.
Já não aguento mais isso aqui,
Desejo voltar, pra onde? Não sei...
Mas, aqui não dar...

José Antonio Ferreira da Silva
26/05/2012

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Onde está você?

Olhando-me no espelho
Vejo que o tempo passou
Criando um abismo entre o ontem e o hoje
Não me permitindo nem lembranças
Minha mente não consegue recordar
Recordar o que poderia ter sido, mas não foi...
Que sentimento é esse que me atormenta
Minha alma solta um grito mudo
Onde está você, em que vida te perdi?
Olho para trás, meu olhar se perde
Não consigo enxergar com nitidez
O tempo passa e o espaço aumenta.
Não consigo vê teu rosto, teu olhar
Onde nos perdemos, o que aconteceu
Minha alma sente falta, mas não sabe precisar
Quem éramos, onde estávamos
Minha alma solta um grito mudo
Onde está você, em que vida te perdi?
Olho em volta, mesmo com o olhar turvo
Sei que não estás nas caras que vejo
Não sinto tua presença, teu olhar, tua luz
Não posso explicar como, simplesmente sinto.
Como dói saber que hoje não estás aqui
Há um abismo, espaço e tempo, entre nós
Não te vejo no presente, estarás no futuro...
Minha alma solta um grito mudo
Onde está você, em que vida te perdi?
Olho para frente, meu olhar se perde
Tento nos ver no futuro
Será possível ver o amanhã?
Acredito que não, isso me esmaga a alma
Sinto a dor da incerteza, ou será da certeza...
Certeza, que não irei encontrar-te no futuro
Pelo menos enquanto no presente, não resolver o passado
Minha alma solta um grito mudo
Onde está você, em que vida te perdi?
José Antonio Ferreira da Silva
26/05/2012

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Esperando por mim



“A confusão e a insegurança de quem não se sente confortável quando está só, se transforma numa grande nuvem carregada de carência, pronta para estourar. E quanta bobagem não se faz neste estado?”
         
      Um dos meus ídolos, o grande Renato Russo, disse em uma de suas músicas: “Digam o que disserem, o mal do século é a solidão, cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição”. Sempre achei uma afirmativa intrigante, apesar de verdadeira. Nas nossas relações pessoais e, até profissionais, vivemos “blindados” de orgulho e arrogância. A música de Renato foi quase uma profecia, vejo que nós, desde muito tempo, caminhamos para transformar o mundo em um grande corredor, com várias portas fechadas; onde optamos por nos recolher e esperamos, ilusoriamente, que alguém entre ali e acabe com nossa angústia.

      Nessa “guerra fria”, vivemos um verdadeiro paradoxo: Queremos atenção, mas vivemos isolados; queremos demonstrações de afeto, mas construímos em volta de nós, uma grande barreira com nosso maldito orgulho. O psicólogo e escritor, Luiz Gasparetto, diz que “A vida lhe trata como você se trata. Os outros lhe tratam como você se trata”. É uma das afirmativas mais verdadeiras que já li, e é um processo muito parecido com o que nós, do Marketing, chamamos de posicionamento de marca, quando uma empresa, através de algumas ações estratégicas, define como quer que seu produto seja visto pelos consumidores e concorrentes. 

       No mercado e na vida, a fórmula é simples, os outros nos veem do jeito que nós nos vemos. Se eu me vejo como rejeitado ou injustiçado, a tendência é que isso me aconteça muitas vezes. Se eu sou uma pessoa confiante e positiva, a vida deve me apresentar sempre mais soluções do que problemas. 

      Tudo isso raramente funciona na “vida real”, estamos acostumados a caminhar na direção do outro e não na nossa; esperamos e acreditamos que outra pessoa irá resolver nossa confusão interior. Se outra pessoa está num momento difícil, logo oferecemos apoio e atenção, mas não conseguimos fazer o mesmo com a gente, pelo contrário, nos preocupamos demais, cobramos demais, exigimos e extraímos muito de nós, sem que façamos uma reposição da nossa energia. Buscamos ativamente essa compensação, na atenção e no apoio de outras pessoas, esperamos que o outro nos entenda, quando normalmente nem nós conseguimos tal proeza.

      Outro dia, li em uma dessas postagens que se espalham no Facebook, um texto muito interessante, que trata sobre os “Viciados em companhia”. Em uma de suas frases mais impactantes, o autor desconhecido diz: “Não confio no amor de quem não consegue ficar sozinho”. É uma frase dura, contudo, nos mostra uma verdade que nem sempre queremos ou conseguimos enxergar: A falta que sentimos de nós mesmos.

      A confusão e a insegurança de quem não se sente confortável quando está só, se transforma numa grande nuvem carregada de carência, pronta para estourar. E quanta bobagem não se faz neste estado? Entendo que é até pior que embriaguez... A carência veste uma máscara, que nos faz crer o que não existe, enxergar beleza onde não há e confundir, ainda mais, os nossos sentimentos.  Aconteceu um caso curioso com um amigo recém separado, que depois de algumas conversas e confidências com uma colega de trabalho, confundiu os sentimentos e enxergou paixão onde não havia. A carência o levou a se declarar todo para a moça, que, num nível absurdo de perplexidade e constrangimento, só conseguiu dar a resposta típica: “Sinto por você apenas amizade.”. O sujeito estava carente, a moça estava receptiva e simpática: Os ingredientes ideais para um perfeito mal entendido.

      Com a transitoriedade dos relacionamentos afetivos, criou-se uma cultura de que “um amor cura o outro”, particularmente, acho isso uma grande balela. Não acho possível que alguém ainda marcado e envolvido com a história anterior, esteja pronto para iniciar uma nova. Não acho honesto, nem justo, envolver uma pessoa nova num “mar de incertezas”. O mestre Cartola escreveu, em uma de suas canções geniais, versos que me parecem ser o mais adequado a se fazer, antes de iniciar um novo ciclo: “Deixe-me ir, preciso andar. Vou por aí a procurar, rir pra não chorar. Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar, depois que me encontrar.”. 

      Há de se ter cuidado com as emoções e com os sentimentos alheios. A música sugere algo que eu acho essencial: Encontrar-se, antes de encontrar alguém. Conseguir se sentir bem e em paz, estando na própria companhia. Quem vive numa busca constante, é porque nunca olhou bem para si. Devemos estar completos, cheios não só de desejo pelo novo, mas de satisfação por quem somos. 


                               Allan Kemps Pontes Ferreira

terça-feira, 26 de abril de 2016

Meu nome é recomeço...


“Tudo que começa, um dia acaba. Nenhuma história é eterna, a eternidade é uma sucessão de histórias dentro das existências. Precisamos aprender que iremos contar eternamente apenas conosco, que iremos passar na vida de muitas pessoas e muitas pessoas irão passar na nossa. Porém ninguém nos pertence, nem nós pertencemos a ninguém”.

Escrevi isso há mais de dez anos, mas naquele momento não imaginava que a vida fosse me provar essas verdades na prática e da forma mais dura possível. Naquela época, coloquei essas palavras no papel como se fossem regras apenas para os outros. Simplesmente, reproduzi com minhas palavras aquilo que já tinha lido e ouvido em outros lugares, querendo mostrar para os outros, mas sem imaginar que aquilo, era, principalmente, para mim. Eu tinha meu lar, minha esposa, meus pais, meus livros, meus gatos... Tudo estava perfeito e seria eterno, colossal engano. Nem imaginava que o que eu mesmo tinha escrito, era um lembrete, exclusivamente, para mim.

Naquele mesmo texto, eu, também, havia registrado, que “muitas vezes queremos acreditar em sonhos e fantasias, queremos crer que alguém nos completa, como se fôssemos incompletos, mas as leis da vida são claras, cada um é responsável pela própria evolução”. Aquelas verdades, pensava eu, eram para os ouvintes do meu programa de rádio, para os leitores dos meus textos. Eu!? Eu tinha ao meu lado, tudo que eu sempre sonhara. Uma pessoa que me completava em todos os sentidos, que havia transformado minha vida, dado sentido a minha existência, que me encorajava a transformar meus sonhos em realidade. Eu tinha alguém me completando, ia lá tomar para mim, aquela história de que “cada um é responsável pela própria evolução”.

Todavia o tempo vinha transformando tudo, pois a vida é lugar de aprendizado. Mesmo sem que eu percebesse, aos poucos, muitas coisas iam acontecendo. Por um lado, alguns sonhos tornavam-se realidade, eu me tornara professor; por outro, algumas mudanças duras iam acontecendo, meus pais partiam para outro plano de vida. Mas eu seguia firme, a vida me reaproximava do meu filho, eu tinha uma mulher de fibra ao meu lado. “Vida que segue”, “tudo está certo”, era o que eu dizia...

No texto em questão, eu dizia: “ficamos muitas vezes esperando que os outros façam por nós, e, até, cobramos que façam isso ou aquilo que é nossa responsabilidade”. Contudo, eu pensava que estava dizendo isso para meia dúzia de pessoas acomodadas. Certamente, nada daquilo tinha a ver comigo, imaginava inocentemente. Mas o tempo e a vida juntos, são perigosos, são professores duros. Juntos eles transformam tudo em um piscar de olhos. E sem me dar conta das lições que estavam por vir, fui vivendo, realizando outros sonhos... Tinha agora a estabilidade profissional, acreditando que não faltava mais nada. No entanto, sem saber nem “como”, nem  “por que”, de uma hora para outra, perdi a estabilidade do meu lar e fiquei sem minha companheira de todas as horas. Em uma fração de minutos, um verdadeiro furacão destruiu tudo que eu, contra minhas próprias palavras, acreditava “ser para sempre”. Talvez, essa tenha sido a experiência mais dolorosa da minha vida, porque esperava a morte dos meus pais idosos, mas jamais pensei que meu lar pudesse ser implodido da forma que foi... Sem que eu pudesse pelo menos entender o que estava acontecendo. Aprendi da forma mais dolorosa, na própria carne, o peso de minhas palavras... “Nenhuma história é eterna”.

Agora sim, estou aprendendo na prática, tudo aquilo que há mais de uma década, eu havia colocado no papel: “por mais longa que seja a caminhada, o primeiro passo é nosso e, na verdade, todos os passos terão que ser nossos”. Mas mesmo em farrapos, não parei, e não paro, a caminhada segue. A vida segue, e, eu vou seguindo junto. Pois, talvez, meu nome seja recomeço. Nasci só e sozinho continuarei meu percurso na certeza que “aproveitar as oportunidades significa desenvolver talentos e potenciais sem se escorar em ninguém. Simplesmente compreender a própria responsabilidade perante a existência”.   Sei que, talvez o “tempo”, nesta ou noutra vida, traga-me as repostas... Ou, simplesmente, não haja resposta, seja, apenas, a lei da vida: “tudo que começa um dia acaba”. Então chegou ao fim, ponto final!

Vou encerrar esse texto, como encerrei aquele, dizendo que a espiritualidade diz que "mais evolui quem melhor aproveita as oportunidades". A vida continua... A caminhada continua... Preciso aproveitar a oportunidade ímpar de estar vivo, de ter novas chances, nas formas de novos empregos, novas cidades. Conviver com novas pessoas, escrever novas histórias, viver um novo amor, sem a pretensão de que sejam para sempre. Dando continuidade à lei da vida que é progredir. "Nascer, morrer, renascer e progredir sempre. Essa é a lei".

  José Antonio Ferreira da Silva

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Miopia Afetiva



“Será mesmo que só é possível identificar os problemas quando eles já não estão mais na nossa alçada?”

Em uma terça-feira de carnaval, já era madrugada, a folia já se acalmava, quando eu conversava com um amigo, que acabara de se separar. Ele assustado com a nova realidade, me contava que nunca havia sequer, pensado na possibilidade de voltar a ser solteiro. “Foram anos de um sonho”, dizia ele, que vivera um casamento estável e feliz, por mais de uma década. Os olhos marejados e o semblante abatido expressavam o seu sentimento de inconformismo e tristeza, diante do ocorrido.

O que me chamou atenção desde aquela conversa, foram os motivos que levaram à ruptura. Em momento algum, meu amigo falou sobre quebra de confiança, desrespeito ou, principalmente, ausência de sentimentos, que são os “motivos tradicionais” das separações. 

Ele resumiu, em apenas uma frase, o que levou a sua felicidade pelo ralo: “O desgaste da convivência”. Ouvindo isso, calei por um momento. Aquela justificativa me causava certa estranheza. Eu, simplesmente, não entendia como era possível, viver um relacionamento completamente feliz, por um longo período e, em seguida, esta mesma relação ser sustentada pela indiferença.

Continuamos o papo; e eu “montava um quebra-cabeça”, a partir daquela explicação, procurava entender o que levou uma relação tão estável a tamanho desgaste. Meu amigo, outra vez, resumiu. Agora, com uma frase extraída de uma belíssima canção da Marisa Monte: “Nós nos abandonamos!”, disse ele, retratando o peso da rotina, da indiferença e da falta de afeto no dia a dia.  

Tudo o que ouvi ali, imediatamente, me fez lembrar a música “Indiferença”, de José Augusto. Era a história do meu amigo, contada naquela letra: “Agora tudo isso está morrendo, o que era lindo, já não tem valor, você com essa sua indiferença, está matando aos poucos nosso amor.”.

Outro dia, li em algum lugar, que não é o amor que sustenta o relacionamento, mas é a forma de relacionar, que sustenta o amor. Eu concordo, aquela separação era uma prova disso. Não era sentimento que faltava ali, pelo menos não amor, talvez faltasse paixão. Curiosamente, percebi que a causa de tudo, confundia-se com a principal marca daquela relação, que até então, me parecia algo positivo, a estabilidade. 

O tempo de um relacionamento costuma trazer, além de confiança e maturidade, a falsa impressão de que o outro não é mais um “território a ser conquistado”, essa segurança excessiva, nos faz acomodar, nos leva para uma rua escura e perigosa, chamada “Zona de conforto”. A partir daí, é como se acionássemos um botão de “piloto automático”, onde sempre fazemos as mesmas coisas, os programas a dois e o diálogo, tornam-se incomuns, e aqueles momentos de ternura e cumplicidade, de cuidado e intimidade, são convertidos em lembranças.

Dentro da maldita zona de conforto, nós, quase nunca, conseguimos perceber quando as coisas vão esfriando e perdendo o gosto, sobretudo os homens. Mas por que essa imperícia? Por que remediar, quando podemos prevenir? Costumo dizer, que viver é como trocar um pneu, com o carro em movimento. Penso que seja da mesma forma com os relacionamentos, será mesmo que só é possível identificar os problemas quando eles já não estão mais na nossa alçada? Suponho que não. É muito mais inteligente consertar do que descartar ou substituir, principalmente, quando há sentimentos envolvidos. Deixemos nosso orgulho de lado e tratemos de reparar as nossas falhas, antes de apontar as falhas do outro. 

O orgulho, aliás, costuma ser o principal vilão do fracasso dos relacionamentos. Contê-lo, porém, não é tarefa fácil. Nós, inconscientemente ou não, jogamos a nossa felicidade para segundo plano em detrimento à nossa razão. Com isso, não conseguimos nada além do afastamento de quem nós amamos. Tornamo-nos solitários e, mais tarde, arrependidos, como retrata uma música antiga, que gosto muito, cantada pelo eterno Nelson Gonçalves: “Eu tive orgulho e tenho por castigo, a vida inteira pra me arrepender. Se eu soubesse, naquele dia o que sei agora, eu não seria esse ser que chora, eu não teria perdido você.”

Aquela conversa de fim de noite, me fez refletir sobre como nós “deixamos a vida nos levar”. Deixamos o tempo passar, não dizemos o que sentimos, não nos desculpamos, e não damos a devida atenção à todos os momentos em que a pessoa que nós amamos está ao nosso lado. É como se perdêssemos a capacidade de enxergar e reconhecer a importância daquela relação para nossa vida, no que eu chamo de miopia afetiva. Cabe a nós, um pouco mais de atenção, um “check-up” diário, de dentro para fora, para que possamos identificar e consertar as nossas falhas e, numa espécie de “manutenção preventiva”, preservar a saúde do relacionamento e do sentimento que nutrimos por quem já nos fez e, ainda faz, sentir vivos.


                               Allan Kemps Pontes Ferreira

terça-feira, 5 de abril de 2016

Poupança emocional


        Até pouco tempo, nós nos indignávamos com propaganda enganosa, fazíamos reclamações, falávamos mal da marca que nos enganou e, simplesmente, deixávamos de consumir. Hoje em dia, como quase tudo acaba virando piada na Rede, nos tornamos mais condescendentes com o que não corresponde às nossas expectativas. 

        No campo do Marketing, os especialistas em comportamento do consumidor, afirmam que a expectativa do consumo é muitas vezes mais importante do que o ato da compra, ou seja, tudo é projetado para gerar expectativa, esta, infelizmente, nem sempre se transforma em satisfação. Nós, de certa forma, aprendemos a lidar com isso, passamos a cobrar aquilo que nos foi prometido, quase que em forma de sátira, bem humorados, e com mais inteligência. 

        O nosso bom humor é maior do que a nossa insatisfação? Talvez não, mas a nossa maneira de tratar a “Expectativa x Realidade” de um sanduíche de fast food, é infinitamente mais madura e saudável do que quando tratamos de expectativas nos nossos relacionamentos.

        Certo dia, numa conversa de bar, um amigo me contava suas mágoas em relação àquela, que ele então julgava ser a mulher da sua vida, seu grande amor. E falava, sobre seu comportamento e suas atitudes, com um grande descontentamento. Naquele momento, ouvindo atentamente ele falar sobre seus planos e seus sonhos com a moça, percebi que o caso se tratava de uma desilusão, de expectativas não correspondidas. 

        Não se trata de algo inevitável, longe disso, mais ainda no auge de uma paixão. É comum, e quase natural, que a gente coloque um grande peso em todas as palavras e nos gestos de quem nós amamos. Tim Maia, em um de seus “hinos”, dizia que: “Em cima disso, a gente constrói os nossos sonhos, nossos castelos, cria um mundo de encanto onde tudo é belo”. E dentro desse “mundo de encanto” cantado por Tim, podemos nos sentir confortáveis, e, até mesmo seguros, mas tudo isso costuma durar pouco, “até a página três”.

        A segurança acaba e a confusão interna começa, quando a outra pessoa, naturalmente, não age conforme nós esperávamos, ainda que não haja maldade nisso, é sempre traumático quando somos surpreendidos com a realidade, e nos vemos retratados na bonita música que toca no rádio: “Me perdi no que era real, e no que eu inventei”.

        Percebo que nós temos uma grande dificuldade em “pisar firme” no presente, e em aproveitar aquilo que é, de fato, a única coisa certa que nós temos: o agora. Estamos habituados e, até mesmo viciados, em apenas utilizar o que nos acontece no presente, como uma espécie de insumo de produção dos nossos sonhos para o futuro. E isso funciona basicamente como uma sustentação para a nossa felicidade. O que nos faz alimentar os sonhos e “construir nas nuvens”?  Vejo isso como uma necessidade de guardar um pouco da nossa felicidade atual, para termos uma reserva, quando a coisa apertar, numa espécie de poupança emocional.   É como ter uma coluna forte e segura, que nos dá apoio nos momentos de turbulência.  

                           
                                  Allan Kemps Pontes Ferreira