No ultimo feriado, voltei no tempo,
assistindo ao filme “Dance Comigo”, com o “interminável” Richard Gere. O enredo
do filme me deixou pensativo sobre uma de nossas características que mais nos
maltrata com o passar dos anos: “Como somos acomodados!” Buscamos a
estabilidade financeira e o sucesso profissional durante boa parte de nossa
vida, isso faz com que o tempo para nós mesmos seja muito restrito e acabamos
deixando para trás boa parte dos nossos sonhos e vontades antigas, numa espécie
de autoabandono.
A vida passa a exigir da gente, tudo
o que a gente exigiu dela, tornando-nos reféns de nós mesmos, ou de tudo aquilo
que conquistamos. A missão impossível, ou quase, é ter a capacidade de dizer
“não”, para tudo o que a gente estava acostumado a dizer “sim”, apenas por
conveniência, para ser legal ou agradar alguém. A intensidade do cotidiano
profissional e, até mesmo familiar, acaba nos deixando reprimidos e, de certa
maneira, mecânicos. Aceitamos convites para programas que não nos agradam, até
mesmo, com gente que não nos satisfaz. Vi, muitas vezes, um amigo acompanhar o
chefe a um tradicional happy hour de sexta-feira, como se suas
obrigações profissionais se estendessem àquilo, que, diga-se de passagem, ele
não via a menor graça, e que sua cara amarrada expressava seu descontentamento
para quem quisesse ver.
O Sr. Clark, personagem do Richard
Gere, é um homem de meia-idade, com uma vida pacata e aparentemente feliz, com
a vida profissional bem-sucedida e uma família estruturada. Ele se vê
aprisionado à rotina e cansado da “vida feliz” que leva, que na verdade é zona
de conforto - como um estacionamento coberto, com vaga reservada - sem riscos e
sem desafios, sem emoções. A vida assim pode parecer boa por algum tempo, mas
isso vai nos deixando “pequenos”, insignificantes para nós mesmos, abandonados;
ou simplesmente esquecidos, deixados de lado por quem teve sempre pressa para
se estabilizar, honrar compromissos, cumprir obrigações, mas esqueceu o prazer
de coisas simples e minimamente irresponsáveis, como tomar banho de chuva numa
tarde de um dia útil.
A história contada no filme trouxe
reflexões importantes. Ela nos mostra claramente dois modelos: O negativo, no
qual a vida é pacata e monótona, afogada na rotina e nos compromissos. E o
modelo positivo, o qual mostra que é possível encaixar os sonhos no nosso
cotidiano e que é possível ser feliz em dias comuns, encontrando prazer nas
coisas simples, como um bom livro, uma boa música, uma boa conversa... O que
quero dizer com isso? Não espere! Não deixe chegar a sexta-feira para aquele
papo agradável com os amigos, ou aquele jantar com quem você ama, não espere o
emprego dos sonhos para trabalhar satisfeito, não espere a grana aumentar para
procurar diversão. Podemos e devemos encontrar a felicidade em muitas coisas do
nosso cotidiano, como no sabor de um bom vinho. Devemos realmente filtrar
nossos compromissos, organizar nossa rotina e equilibrar o nosso tempo e,
assim, fazer o que nos deixa feliz, sempre nos colocando no primeiro lugar da
fila, “nos permitindo”, como bem diz o Lulu Santos.
Allan Kemps Pontes Ferreira