quinta-feira, 31 de março de 2016

Primeiro lugar da fila



No ultimo feriado, voltei no tempo, assistindo ao filme “Dance Comigo”, com o “interminável” Richard Gere. O enredo do filme me deixou pensativo sobre uma de nossas características que mais nos maltrata com o passar dos anos: “Como somos acomodados!” Buscamos a estabilidade financeira e o sucesso profissional durante boa parte de nossa vida, isso faz com que o tempo para nós mesmos seja muito restrito e acabamos deixando para trás boa parte dos nossos sonhos e vontades antigas, numa espécie de autoabandono.
A vida passa a exigir da gente, tudo o que a gente exigiu dela, tornando-nos reféns de nós mesmos, ou de tudo aquilo que conquistamos. A missão impossível, ou quase, é ter a capacidade de dizer “não”, para tudo o que a gente estava acostumado a dizer “sim”, apenas por conveniência, para ser legal ou agradar alguém. A intensidade do cotidiano profissional e, até mesmo familiar, acaba nos deixando reprimidos e, de certa maneira, mecânicos. Aceitamos convites para programas que não nos agradam, até mesmo, com gente que não nos satisfaz. Vi, muitas vezes, um amigo acompanhar o chefe a um tradicional happy hour de sexta-feira, como se suas obrigações profissionais se estendessem àquilo, que, diga-se de passagem, ele não via a menor graça, e que sua cara amarrada expressava seu descontentamento para quem quisesse ver.
O Sr. Clark, personagem do Richard Gere, é um homem de meia-idade, com uma vida pacata e aparentemente feliz, com a vida profissional bem-sucedida e uma família estruturada. Ele se vê aprisionado à rotina e cansado da “vida feliz” que leva, que na verdade é zona de conforto - como um estacionamento coberto, com vaga reservada - sem riscos e sem desafios, sem emoções. A vida assim pode parecer boa por algum tempo, mas isso vai nos deixando “pequenos”, insignificantes para nós mesmos, abandonados; ou simplesmente esquecidos, deixados de lado por quem teve sempre pressa para se estabilizar, honrar compromissos, cumprir obrigações, mas esqueceu o prazer de coisas simples e minimamente irresponsáveis, como tomar banho de chuva numa tarde de um dia útil.
A história contada no filme trouxe reflexões importantes. Ela nos mostra claramente dois modelos: O negativo, no qual a vida é pacata e monótona, afogada na rotina e nos compromissos. E o modelo positivo, o qual mostra que é possível encaixar os sonhos no nosso cotidiano e que é possível ser feliz em dias comuns, encontrando prazer nas coisas simples, como um bom livro, uma boa música, uma boa conversa... O que quero dizer com isso? Não espere! Não deixe chegar a sexta-feira para aquele papo agradável com os amigos, ou aquele jantar com quem você ama, não espere o emprego dos sonhos para trabalhar satisfeito, não espere a grana aumentar para procurar diversão. Podemos e devemos encontrar a felicidade em muitas coisas do nosso cotidiano, como no sabor de um bom vinho. Devemos realmente filtrar nossos compromissos, organizar nossa rotina e equilibrar o nosso tempo e, assim, fazer o que nos deixa feliz, sempre nos colocando no primeiro lugar da fila, “nos permitindo”, como bem diz o Lulu Santos.

                           Allan Kemps Pontes Ferreira