“Será possível continuar o mesmo, depois de se
enxergar no retrovisor dos anos?”
O grande Chico Buarque, em uma de suas lindas canções, disse que “É
desconcertante rever um grande amor”, a minha impressão é que isso nos ocorre como
uma forma de nos despirmos da nossa vida atual. Como se, de repente, nós nos
encontrássemos com uma versão de nós mesmos anos atrás. Você poderia ver isso
como atrativo, ora, é sempre bom reviver ou relembrar nossa juventude; certo!?
Creio que nem sempre...
Outro dia, um amigo me disse: “tudo isso
estava morto para mim, até ontem...”, contava ele, surpreso e ligeiramente
nostálgico, que depois de uma fortuita conversa de WhatsApp com uma
antiga namorada. Nesse caso, ele não a reviu, apenas trocou algumas palavras
depois de anos de afastamento e silêncio, ficou desconcertado, ainda assim,
conforme cantou Chico.
O desabafo seguiu, ele me contava, ainda
surpreso, sobre o que aquela conversa inesperada o causou, “Uma inquietude”,
definiu ele. “No mínimo”, eu comentei. Quando a vida nos apresenta a nossa
própria imagem, numa versão divergente da que vivemos agora, a confusão é quase
certa. Meu amigo e seu antigo caso tomaram rumos distintos, a vida seguiu, os
anos passaram, ambos construíram uma vida ao lado de um novo par. Suponho que,
daí se dê a tal “inquietude”.
Num primeiro momento, a tentativa de comparação entre o passado e
o presente se torna inevitável, posto que do presente, nós conhecemos cada
pedra do caminho, cada defeito e cada desgaste. Contudo, ao enxergar o passado,
outrora interrompido, temos a vaga sensação de saudade dos bons momentos e, até
mesmo, de tudo que desconhecemos, aproveitando a alusão ao modismo: “Saudade do
que a gente não viveu.”.
Tais lembranças e pensamentos funcionam como gatilhos para nossa inércia
em enfrentarmos nosso cotidiano. Este, no caso do meu amigo, anda bem sofrido.
Iludidos ou deslumbrados com nossa viagem ao passado, nós, numa instantânea
melancolia, enxergamos o presente com certa tristeza ou como cantou Guilherme
Arantes, em um de seus clássicos: “Não estou bem certo, que ainda vou sorrir.
Sem um travo de amargura...”
Amargura essa, faz-nos atentar sobre nossa vida atual, sobre como temos
vivido e sobre o que, de fato, alimenta nossa relação. Meu amigo enxergou a sua
carência de afeto, diante da escassez cotidiana. Notou então, que o que o
mantém preso àquela relação não é, necessariamente, o afeto. Mas o respeito ou
a conveniência. De repente, pensou em jogar tudo pro alto e quem sabe
reencontrar-se com sua versão de tempos atrás. Seria possível? Mistura de
sentimentos, inquietude, saudade, tristeza ou, simplesmente, carência. Tudo
aflorado numa simples conversa. É mesmo desconcertante, não?
Allan Kemps Pontes Ferreira