Em uma terça-feira de carnaval, já era
madrugada, a folia já se acalmava, quando eu conversava com um amigo, que acabara
de se separar. Ele assustado com a nova realidade, me contava que nunca havia
sequer, pensado na possibilidade de voltar a ser solteiro. “Foram anos de um sonho”,
dizia ele, que vivera um casamento estável e feliz, por mais de uma década. Os olhos
marejados e o semblante abatido expressavam o seu sentimento de inconformismo e
tristeza, diante do ocorrido.
O que me chamou atenção desde aquela
conversa, foram os motivos que levaram à ruptura. Em momento algum, meu amigo
falou sobre quebra de confiança, desrespeito ou, principalmente, ausência de
sentimentos, que são os “motivos tradicionais” das separações.
Ele resumiu, em apenas uma frase, o que levou
a sua felicidade pelo ralo: “O desgaste da convivência”. Ouvindo isso, calei
por um momento. Aquela justificativa me causava certa estranheza. Eu,
simplesmente, não entendia como era possível, viver um relacionamento
completamente feliz, por um longo período e, em seguida, esta mesma relação ser
sustentada pela indiferença.
Continuamos o papo; e eu “montava um quebra-cabeça”,
a partir daquela explicação, procurava entender o que levou uma relação tão
estável a tamanho desgaste. Meu amigo, outra vez, resumiu. Agora, com uma frase
extraída de uma belíssima canção da Marisa Monte: “Nós nos abandonamos!”, disse
ele, retratando o peso da rotina, da indiferença e da falta de afeto no dia a
dia.
Tudo o que ouvi ali, imediatamente, me fez lembrar
a música “Indiferença”, de José Augusto. Era a história do meu amigo, contada naquela
letra: “Agora tudo isso está morrendo, o que era lindo, já não tem valor, você
com essa sua indiferença, está matando aos poucos nosso amor.”.
Outro dia, li em algum lugar, que não é o
amor que sustenta o relacionamento, mas é a forma de relacionar, que sustenta o
amor. Eu concordo, aquela separação era uma prova disso. Não era sentimento que
faltava ali, pelo menos não amor, talvez faltasse paixão. Curiosamente, percebi
que a causa de tudo, confundia-se com a principal marca daquela relação, que
até então, me parecia algo positivo, a estabilidade.
O tempo de um relacionamento costuma trazer,
além de confiança e maturidade, a falsa impressão de que o outro não é mais um
“território a ser conquistado”, essa segurança excessiva, nos faz acomodar, nos
leva para uma rua escura e perigosa, chamada “Zona de conforto”. A partir daí,
é como se acionássemos um botão de “piloto automático”, onde sempre fazemos as
mesmas coisas, os programas a dois e o diálogo, tornam-se incomuns, e aqueles
momentos de ternura e cumplicidade, de cuidado e intimidade, são convertidos em
lembranças.
Dentro da maldita zona de conforto, nós,
quase nunca, conseguimos perceber quando as coisas vão esfriando e perdendo o
gosto, sobretudo os homens. Mas por que essa imperícia? Por que remediar,
quando podemos prevenir? Costumo dizer, que viver é como trocar um pneu, com o
carro em movimento. Penso que seja da mesma forma com os relacionamentos, será
mesmo que só é possível identificar os problemas quando eles já não estão mais
na nossa alçada? Suponho que não. É muito mais inteligente consertar do que
descartar ou substituir, principalmente, quando há sentimentos envolvidos.
Deixemos nosso orgulho de lado e tratemos de reparar as nossas falhas, antes de
apontar as falhas do outro.
O orgulho, aliás, costuma ser o principal vilão
do fracasso dos relacionamentos. Contê-lo, porém, não é tarefa fácil. Nós,
inconscientemente ou não, jogamos a nossa felicidade para segundo plano em
detrimento à nossa razão. Com isso, não conseguimos nada além do afastamento de
quem nós amamos. Tornamo-nos solitários e, mais tarde, arrependidos, como
retrata uma música antiga, que gosto muito, cantada pelo eterno Nelson
Gonçalves: “Eu tive orgulho e tenho por castigo, a vida inteira pra me
arrepender. Se eu soubesse, naquele dia o que sei agora, eu não seria esse ser
que chora, eu não teria perdido você.”
Aquela conversa de fim de noite, me fez
refletir sobre como nós “deixamos a vida nos levar”. Deixamos o tempo passar,
não dizemos o que sentimos, não nos desculpamos, e não damos a devida atenção à
todos os momentos em que a pessoa que nós amamos está ao nosso lado. É como se
perdêssemos a capacidade de enxergar e reconhecer a importância daquela relação
para nossa vida, no que eu chamo de miopia afetiva. Cabe a nós, um pouco mais
de atenção, um “check-up” diário, de
dentro para fora, para que possamos identificar e consertar as nossas falhas e,
numa espécie de “manutenção preventiva”, preservar a saúde do relacionamento e
do sentimento que nutrimos por quem já nos fez e, ainda faz,
sentir vivos.
Allan Kemps
Pontes Ferreira
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